Mais do que pintura em paredes, uma voz da periferia para a crítica social
A descoberta do desenho na infância pode levar a muitos caminhos. Quando Ordep era apenas o pequeno Pedro, na periferia do Telégrafo, em Belém, encontrar o caderno de desenhos do seu pai gerou um encanto e abriu as portas para aquilo que seria o seu refúgio e a sua voz. Hoje morador e artista do Jurunas, aquela porta aberta lá atrás levou ele ao universo do grafite, passando pelo stencil e pela serigrafia, que são instrumentos para ele representar as realidades da periferia, da cultura e para expressar sua consciência política.
Quando Ordep começou a se interessar por essa arte, o grafite não era algo popular em Belém e não se tinha o acesso à internet de hoje para facilitar o aprendizado e o contato com outros artistas e realidades. “Fui autodidata, porque eu não cheguei a fazer um curso técnico de desenho, de grafite, não se encontrava isso na cidade”, comenta o artista, que chegou a fazer alguns cursos, mas nenhum deles ligado diretamente ao grafite.
Ordep retrata cenas do cotidiano do seu bairro, o Jurunas. Foto: Deco Barros.
Foto: Deco Barros.
Antes de ser artista de rua, seu percurso foi traçado pelo desenho e pela busca de referências. “Entre 2004 e 2005, eu comecei a evoluir mais na técnica do stencil, e comecei a perceber a possibilidade de ir para a rua, mas até então eu não tinha feito nada. Foi em 2007 que eu comecei, quando já tinha um acúmulo de desenhos, esboços. Então eu disse: ‘vou para a rua’. Tinha conversado com alguns artistas locais, e isso facilitou bastante, me deu uma orientação”, relembra.
Mas que arte é essa?
Muito mais do que aquilo que vemos nos muros, o grafite é comunidade, manifestação política e, para Ordep, é também uma voz que grita nas periferias (ainda que esteja ocupando também os centros). “Tem o contexto social. Ele acaba sendo a voz dos guetos, das periferias, com as suas frases, as suas imagens gritantes. Tem uma função política também. Ele flerta muito com essa questão social. E isso também é parte do meu trabalho”, explica o artista.
Ligado ao movimento do hip hop, surgido nos Estados Unidos, o grafite hoje é reconhecido como uma arte urbana, embora ainda visto por alguns como vandalismo e pouco valorizado por políticas públicas em muitos lugares. “O grafite em Belém está em ascensão, mas precisam melhorar muitas coisas em termos de políticas públicas para os artistas”, comenta Ordep.
O que sua voz mostra através das imagens?
Embora afirme que não tenha uma identidade definida, pois tem múltiplas referências, Ordep possui a sua marca. “Tenho uma técnica, que é o stencil, as pessoas me identificam muito por essa técnica. Acredito que são poucas pessoas que fazem em Belém”, explica.
Ordep aplica a técnica do stencil para a sua grafitagem. Foto: Deco Barros
As suas produções mostram elementos da cultura regional, mas seu grafite traz sobretudo as realidades e necessidades da periferia. “Tem esse cunho político, social, crítica social. Eu acho que ser artista também é uma reponsabilidade. Eu me cobro um pouco isso justamente pelas vivências que eu tive: eu vim da periferia, hoje ainda moro na periferia”.
Parece pintada por Ordep no Jurunas. Foto: Deco Barros
Por ser brasileiro, amazônida e paraense, Ordep conta que busca trazer essas referências do seu local de fala para o seu grafite. Por vezes, também faz homenagens a lideranças sociais. Mas ele se sente em casa quando expressa crítica social através das suas pinturas. “Tem preocupações políticas, tem coisas a serem resolvidas, então esse incômodo também alimenta a minha arte, eu me sinto mais à vontade nesse campo, de crítica social”, comenta o artista.